A SABEDORIA DE PADRE CÍCERO
Daniel Walker
É sabido que Padre Cícero morreu sem deixar nenhum livro publicado, sendo, por isso, motivo de crítica por parte dos seus inimigos gratuitos. Porém, um juízo mais coerente aponta que isto em nada diminui o seu inquestionável valor. É fato notório que a história da humanidade revela a existência de vultos extraordinários (como Cristo e Sócrates, por exemplo), consagrados mundialmente, que também morreram, sem haver escrito qualquer obra literária, e cujo valor não foi abalado por isso. Na verdade, Padre Cícero não escreveu, efetivamente, nenhum livro, mas pregou, aconselhou, fez previsões, expôs e defendeu idéias, e redigiu e expediu muitas cartas. Juntando tudo isso, foi possível condensar aquilo que constitui ou representa o seu pensamento, e, por que não? – a sua sabedoria. Em alguns assuntos, Padre Cícero adotou pontos de vista aos quais permaneceu intransigente até morrer, aos noventa anos. Por isto, nacionalista convicto e confesso, jamais aceitou a exploração das terras e riquezas brasileiras por estrangeiros, chegando, inclusive, a protestar veementemente neste sentido, publicando um Manifesto que ganhou notoriedade nacional. Sabiamente, ele orientou os romeiros para o trabalho, ensinando-lhes ou indicando-lhes algum ofício, por menor que fosse, para garantir o sustento da família e evitar a ociosidade. Por isso, o romeiro autêntico não é um preguiçoso, mas, no mínimo, um artesão daqueles que fazem do seu lar uma oficina e um oratório. Uma de suas grandes previsões está desde algum tempo plenamente confirmada e consagrada. Disse ele: “Depois da minha morte é que Juazeiro irá crescer”. De fato, depois que ele morreu (1934) a cidade que ele fundou não para de crescer. Tal como São Francisco, Padre Cícero foi também um grande defensor da Ecologia. Nesse ponto, mais uma vez, a sua sabedoria foi aplicada, seja aconselhando a todos a respeito da necessidade de preservação da fauna e da flora, seja na orientação direta aos rurícolas sobre como manejar corretamente o solo para torná-lo mais produtivo e perene. Recomendava coisas simples, porém eficientes, como: não derrube o mato; não toque fogo no roçado; deixe os animais viverem; represe os riachos, etc. Sem dúvida nenhuma, os conselhos eram o ponto mais forte da sabedoria de Padre Cícero. Quem o procurava, atormentado por algum problema sério, saía aliviado ou, como se diz hoje: com o astral levantado. Até mesmo colegas de batina recorriam à eficácia dos seus sábios conselhos, nos momentos de aflição e incerteza. O povo, faminto de tudo, via nele, o doutor, o professor, o pai, o orientador, o juiz. E ele aceitou o desafio de responder a esses anseios populares. Padre Cícero foi realmente um homem sábio, isto é incontestável. Uma espécie de Sábio do Sertão, cujas palavras penetravam bem fundo no coração das massas sertanejas, essa gente humilde por natureza, sofredora em função da geografia, desassistida pelos órgãos públicos, órfã de tudo e em luta permanente com a seca e as injustiças sociais. Sua sabedoria consistia mesmo era na forma especial como ele dizia as coisas nas suas pregações diárias aos romeiros ou nas inúmeras cartas que escreveu. Ele usava uma língua simples, porém impregnada de esperança e fé cristã. Mas é importante deixar bem claro que Padre Cícero não pode ser apreciado fora do seu tempo. O que ele disse ou defendeu, estava perfeitamente em sintonia com a época em que viveu e com os costumes em voga. No Seminário, foi treinado para combater o espiritismo, o protestantismo, o comunismo e a mancebia, razão pela qual estes assuntos sempre estiveram presentes em suas pregações. Assim, a sabedoria deste extraordinário Sábio do Sertão, sendo ele entendido em função da época em que viveu, indubitavelmente tem um valor inestimável.
19.04.2009